Dr. Roberto Pugliese fala sobre o PROFUT
O Advogado do Joinville Esporte Clube, suscita várias indagações sobre as consequências da aplicação dessa lei e mostra sua preocupação quanto ao futuro. Vejam!
“Enfim, temos o Reffis do futebol. Não, me enganei, temos a Timemania, uma nova loteria para salvar os clubes de futebol. Opa, há algo errado, agora estamos falando do PROFUT, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, instituído pela Lei Federal n. 13.155 de 4 de agosto de 2015. Sim, dessa vez os clubes de futebol vão saldar seus débitos, serão geridos de forma profissional, saneados, modernos, competentes e gerarão lucro… Será?
Assim como faz costumeiramente em favor de bancos, empresas públicas e grandes empresas privadas, assim como faz periodicamente por meio dos Reffis, como fez, por exemplo, no mês de julho último quando instituiu, por Medida Provisória, o PRORELIT – Programa de Redução de Litigios Tributários, o Governo Federal cumpre seu papel em tentar, mais uma vez, criar meios de receber os bilhões em créditos da União decorrentes de tributos federais, fundo de garantia e contribuições previdenciárias, devidos há anos pelos clubes de futebol profissional. Ao contrário das empresas, os clubes de futebol são, indiscutivelmente, personagens preponderantes na difusão e no desenvolvimento do esporte no Brasil, que auxiliam o Poder Público no cumprimento do dever constitucional ao fomento das práticas esportivas, e ainda gozam de interesse social extremo, tendo em vista a tradicionalíssima paixão do povo pelos escudos que fazem a festa do esporte mais popular do país, em todos os confins. Também, tratase, em sua maioria de associações, sem finalidade de lucro, mas tão somente de cumprimento de seus objetos sociais.
Ok, não há que se discutir quanto à necessidade arrecadatória do Estado, nem mesmo quanto à relevância do futebol para a sociedade. O que deve ser objeto de discussão e crítica, é a forma escolhida pelo Governo Federal para, novamente, tentar resolver os problemas do futebol. O recém instituído PROFUT visa “promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiros das entidades desportivas profissionais do futebol”. O Programa permite o parcelamento dos débitos dos clubes em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais dos débitos reconhecidos, confessados e consolidados das entidades desportivas. Para isso, a União facultou aos clubes a adesão, mediante o preenchimento de alguns requisitos, tais como, a regularidade, a partir de agora, das obrigações trabalhistas e tributárias; instituição de limitação ao mandato do presidente e demais dirigentes eleitos; proibição de antecipação ou comprometimento de receitas; redução de déficit, limite de gastos com atletas; afastamento e inelegibilidade de dirigentes que praticarem gestão irregular ou temerária; até o investimento no futebol feminino e oferecimento de ingressos a preços populares. A CBF, as federações e as ligas não foram esquecidas pela Lei e são obrigadas a, mesmo que não venham aderir ao Programa, dentre outras coisas, permitir a representação de atletas nos seus órgãos internos e arbitrais de competições; limitar o mandado de seus dirigentes; exigir nos seus regulamentos de competições proibição de registro de atletas aos clubes que não cumprirem os requisitos do PROFUT.
A novel lei não para por ai e cria a APFUT – Autoridade Pública de Governança do Futebol, no âmbito do Ministério do Esporte, com competência para expedir regulamentação e fiscalizar o cumprimento das exigências aos que aderirem ao PROFUT. Além da APFUT, a CBF, as federações, os clubes, os atletas e o Ministério do Trabalho poderão fiscalizar o cumprimento do PROFUT. A lei autoriza também a instituição da Loteria Instantânea Exclusiva – LOTEX, que, assim como a Timenania, poderá utilizar as marcas, emblemas, símbolos e escudos dos clubes de futebol, destinando parte de seus recursos a tais clubes. Ademais, a Lei 13.155 ainda define a gestão temerária nas entidades esportivas, criando inúmeras limitações e proibitivos para seus dirigentes nos próprios estatutos, mesmo que não aderirem ao PROFUT.
Por fim, a Lei em comento alterou a Lei Geral Sobre Desportos em vários dispositivos, como por exemplo, limitando a 40% da remuneração total paga pelo clube ao atleta pelo clube para indenizá-lo pela licença para o uso de sua imagem. Já o Estatuto de Defesa do Torcedor foi alterado para exigir que os clubes só possam participar de competições mediante apresentação de certidão negativa de débitos com a União, com o FGTS e comprovação da regularidade dos pagamentos de seus atletas, sob pena de rebaixamento à divisão inferior.
É indiscutível que a incompetência da gestão é um dos maiores, se não o maior problema do futebol brasileiro na atualidade. Altos salários de atletas, pagamento de montantes imensuráveis para transferência de jogadores, não recolhimento de encargos e tributos, antecipação de receitas, desunião dos clubes, altos custos dos equipamentos esportivos, calendário ruim, são exemplos de situações que, se evitadas, poderiam transformar radicalmente o produto futebol no Brasil. O Governo tenta resolver tais problemas por meio do seu dever de fomento ao desporto, fixado no caput do art. 217 da Constituição Federal, mas esquece que assim está violando o inciso I, do mesmo art. 217 da Constituição, infringindo itens fundamentais da autonomia de organização e funcionamento das entidades esportivas, tratando como público, atividades eminentemente privadas. A grande maioria das exigências trazidas pela lei são essencialmente de âmbito interno. Como limitar o mandato de dirigentes? Como exigir que gastem X ou Y com folha salarial? Como proibir que antecipem receitas? É certo proibir a participação ou exigir o rebaixamento dos clubes que não tiverem certidão negativa de débitos? E determinar que conste em Regulamento a proibição de registro de atletas aos clubes inadimplentes? Exigir o investimento em futebol feminino é coerente com o mercado e com os interesses dos clubes? E os ingressos a preços populares, já não seriam os de meia entrada concedidos a idosos, estudantes e aposentados?
Penso que tentar melhorar a gestão dos clubes, entidades privadas com autonomia constitucional, exigindo que ajam como o Poder Público deseja, é o mesmo que exigir de empresas como a Coca-Cola, Seara, TAM, os Postos Ipiranga ou qualquer outra privada, seja obrigada a limitar o mandato de seus presidentes ou CEOs, limitar o valor dos salários de seus funcionários, exigir que vendam produtos X ou Y ou a preços populares, é inconcebível do ponto de vista jurídico, mesmo com as melhores das intenções.
Após esta análise restam questionamentos de âmbito prático. Os clubes farão jus a certidões negativas de débitos para poderem participar de competições mesmo devendo milhões? E se optarem por não aderir ao PROFUT? E se após aderir ao PROFUT, os clubes descumprirem quaisquer de seus requisitos e forem excluídos do programa? Voltarão ao status quo ante? Lamentavelmente, me parece que com todos os exageros perpetrados pela Lei, sua declaração de inconstitucionalidade é questão de tempo e, ao final, a maioria dos clubes permanecerão devedores, com seus débitos todos reconhecidos e confessados, sem direito a discussão judicial, mas continuarão a exercer suas atividades normalmente. Ou alguém duvida disso? Provavelmente, a história se repete, e em 5 ou 10 anos teremos novas discussões sobre essa matéria e uma nova legislação para salvar os clubes de futebol de seus débitos.”
O que pensa o Professor Gustavo Souza sobre a Lei do PROFUT
Agora é a vez do Mestre em Direito Desportivo, o renomado Professor Gustavo Souza que trouxe mais luzes ao debate sobre a Lei do PROFUT.
Vejam o que ele disse:
“Não há dúvidas da importância de se oportunizar o pagamento dos enormes débitos fiscais dos clubes e, ao mesmo tempo, trazer milhões aos caixas da União neste momento de arrocho econômico. Por outro lado, há de se garantir a autonomia e independência funcional dos clubes de futebol, conforme apregoa, inclusive, o artigo 217 da Constituição.
Pode-se argumentar que a adesão ao plano de parcelamento seja opcional e, por consequência, a “submissão” às regras do programa também. Entretanto, na situação em que a maioria dos clubes de futebol do Brasil se encontra, aderir ao programa de parcelamento não é uma opção, mas uma medida necessária para a sobrevivência.
Diante disso, a interferência no colégio eleitoral das federações e da limitação do percentual do direito de imagem, por exemplo, apresentam-se extremamente invasivas e acabam por violar a independência e autonomia das entidades desportivas.
Além disso, os clubes que adotarem o regime de parcelamento terão limites de gastos com o futebol. Isso certamente influenciará nas contratações de atletas. Além disso, as agremiações terão que comprovar, mensalmente, o pagamento dos salários e direitos de imagem, e estarão proibidas de adiantar receitas de outro mandato.
É natural que, ao conceder benefícios, o Governo exija contrapartidas, como já ocorre em outros programas. Entretanto, algumas contrapartidas podem extrapolar o interesse público e afetar o desportivo.
Considerando a atual situação financeira dos clubes brasileiros, o atraso do financiamento tem uma possibilidade plausível, para não dizer provável.
Não há dúvidas de que existe a necessidade de se implantar o “fair play” financeiro e de que o parcelamento das dívidas fiscais é essencial.
Por outro lado, a legislação tida como a solução do endividamento dos clubes brasileiros pode ter um efeito reverso.
A Espanha, por exemplo, por meio da Lei 10/1990, criou a Lei do Desporto. Ela obrigou os clubes profissionais a se tornarem Sociedades Anônimas Desportivas (exceto Real Madrid, Barcelona, Athletic de Bilbao e Osasuna) e estabeleceu regras para gestão financeira.
Vinte e cinco anos depois, alguns clubes foram extintos e os demais permanecem endividados. Por esta razão, a Liga Espanhola “apertou os cintos” e, juntamente com o Conselho Nacional de Desportos, na temporada 2014/2015, estabeleceu tetos salariais e limites de gastos. Isso que tem gerado situações não previstas, como a não inscrição de atletas (e seu desemprego) a fim de que os clubes não extrapolem os limites impostos.
Medidas para o “fair play” financeiro, parcelamento e pagamento de dívidas e lisura administrativa são sempre bem-vindas e todos têm a ganhar. No entanto, clubes, governo e federações precisam encontrar um meio termo, uma justa medida. E para tanto, nada como o debate.”
A opinião de Paulo Sérgio Feuz sobre o PROFUT
MNM ouviu o Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da Pós Graduação em Direito da PUC-SP, Paulo Sérgio Feuz, sobre a Lei do PROFUT.
Saiba qual é a opinião dele sobre a Lei nº13.155/15:
“A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, a nosso ver demonstra um total retrocesso à responsabilidade de Fomento do Esporte pelo Estado, como determina a Constituição Federal.
Trata-se de uma norma totalmente INCONSTITUCIONAL e oportunista, onde de maneira cogente obriga os clubes de futebol que aderirem um parcelamento de Impostos renunciarem Direitos Constitucionais que garantiam autonomia e independência em sua gestão e administração.
É de se estranhar que este fato só ocorra só com o futebol, pois, outros, planos de Recuperação Fiscal, tais como REFIS, PAES e outros não adentraram na gestão das empresas, talvez seja um modelo estatizante para que o Estado faça uso político do esporte mais querido da nação.
Salvo melhor juízo, tratou de uma norma estatizante realizada por um governo fraco e sem credibilidade popular e que pretende com o futebol tentar recuperar um pouco de sua imagem com uma norma que nada acrescentou ou trouxe de novo para o esporte.”
A visão do Dr. Vitor Ferraz sobre a Lei do PROFUT.
A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte – LRFE, nº 13.155/2015, que criou o Programa de Modernização da Gestão e de responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, é uma importante medida para possibilitar aos clubes brasileiros o refinanciamento dos seus débitos perante a União.
A viabilização do pagamento desses débitos em até 240 meses, de modo a permitir que as parcelas possam se ajustar ao fluxo de caixa dos clubes, é fundamental para o futuro das agremiações, notadamente os grandes e médios Clubes, que acumulam dívidas milionárias.
Como contrapartida, as instituições serão obrigadas a adotar práticas responsáveis de gestão, além de inserir em seus estatutos medidas que as democratizarão e tornarão mais transparentes. Sócios terão maior responsabilidade na fiscalização dos seus clubes e poderão exigir mais dos gestores. Um gol de placa!
Não há como negar que a necessidade de auditoria externa independente, limitação dos mantados dos gestores, maior fiscalização no cumprimento das obrigações tributárias, trabalhistas e civis (direito de imagem) farão com que os clubes avancem. O Esporte Clube Bahia, que desde 2013 adotou muitas das práticas agora preconizadas pelo PROFUT, já mostra resultados administrativos interessantes.
Evidente que o texto final da lei 13.155/2015 não agradou a todos. Particularmente, entendo que o veto ao artigo que previa a redução da cláusula compensatória desportiva de 100% (cem por cento) para 50% (cinquenta por cento) foi um equívoco. O PROFUT obrigará os clubes a agirem de forma mais responsável. Nada mais justo, então, que diminuir o ônus suportado pelos clubes na hipótese de optarem pela rescisão unilateral antecipada dos contratos especiais de trabalho desportivos. E aqui registro o meu descontentamento com o movimento Bom Senso F.C., que defendeu veementemente esse veto, tornando-se, pra mim, contraditório em relação ao que prega (ou pregava).
No mesmo sentido, os vetos aos parágrafos 6º, 7º e 8º do artigo 40 da LRFE também é questão controvertida. A rigidez quando à necessidade de apresentação das propaladas “CND’s”- que muitas vezes podem demorar a ser fornecidas por questões burocráticas – preocupa os gestores e pode criar alguns embaraços para os clubes.
De todo modo, avalio o PROFUT como algo extremamente positivo para o futebol brasileiro. Cabe aos clubes e seus gestores se adequarem e saberem aproveitar essa valiosa oportunidade. Se assim o for, prevejo o engrandecimento do nosso futebol.
Vitor Ferraz – baiano, soteropolitano, advogado, Assessor Jurídico do Esporte Clube Bahia. Tricolor de coração!